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Realizando Um ideal Sonoro

Em que medida é que as Vozes Alfonsinas se distinguem dos restantes grupos dedicados à música medieval e renascentista? A resposta está no resultado sonoro.

 

A verdade é que na base desse resultado, está uma pesquisa original sobre as mais antigas fontes musicais da Península Ibérica e uma selecção criteriosa do repertório; mesmo quando não se trate de peças inéditas, o que tem sucedido amiúde, muitas transcrições foram realizadas ou reformuladas de novo, e recorreu-se, por mais de uma vez, à leitura directa a partir de facsímiles dos documentos. Os programas são construídos tendo em conta, não só o ritmo do espectáculo, como a coerência histórica da sequência musical. Tudo isto pode ser distintivo porque as Vozes Alfonsinas, recorrendo essencialmente a materiais existentes em documentos originais, os integram numa perspectiva cultural mais vasta procurando criar um som que se apresente de forma distintiva e agradável a quem o escuta.

 

O que poderá determinar esta sonoridade? Naturalmente, têm um papel de relevo as qualidades individuais dos músicos que em cada momento actuam: a destreza e sensibilidade dos instrumentistas, o timbre e a elasticidade das vozes... e, claro, a sensibilidade histórica por eles procurada ao longo de tantos anos em que já trabalham em conjunto, e que é alimentada e transmitida em palco. Nesse aspecto, os membros das Vozes Alfonsinas são excepcionais. No entanto, há algo que une estas qualidades e as orienta para fins comuns, permitindo que uma imagem sonora consistente se desprenda do conjunto.

Invisível, verbalmente desarticulada, frequentemente incompreendida até por quem a segue, a direcção musical sugere ideais sonoros, que ao longo dos ensaios, dos concertos, das gravações, se vão apurando e penetrando a interpretação. O tempo, a dicção, a afinação, o fraseado, a articulação rítmica, a variação fruto do improviso, as fusões e os contrastes, são aspectos cujo controle colectivo depende da partilha de um ideal sonoro comum.

E porque trabalham e se apresentam como um grupo de música antiga, as Vozes Alfonsinas coloca o texto e a voz no centro do trabalho interpretativo; nisto desvalorizam a paleta caleidoscópica e a informalidade em voga nas décadas de 1960-1970, aproximando-se da atitude posteriormente desenvolvida, de maneiras contrastantes, pelas “Gothic Voices” de Christopher Page e pelo “Ensemble Organum” de Marcel Pérès.

 

O resultado é que nunca o canto visigótico ou gregoriano soou assim, com uma linha ritmicamente variada mas lenta, sobriamente burilada, quase pastosa, colocando o texto no centro da meditação; nunca as Cantigas de Santa Maria foram tão compreensíveis, tão sentidas como narração; nunca a canção polifónica do século XV soou tão colorida e subtilmente dinamizada; nunca as canções ibéricas do século XVI foram tão clara e juntamente ditas, tão próximas de nós, tão assumidas como pérolas vocais.

Pórtico da Glória - Santiago de Compostela

É verdade que as gravações das cantigas de Martin Codax, por Helena Afonso (1986), ou das cantigas de Dom Dinis, por Paul Hillier, na Harmonia Mundi (1994), soam um pouco como as Vozes Alfonsinas; mas isso talvez seja fruto de uma mesma direcção de ensaios e gravações executada por Manuel Pedro Ferreira.

É verdade que as gravações das cantigas de Martin Codax, por Helena Afonso (1986), ou das cantigas de Dom Dinis, por Paul Hillier, na Harmonia Mundi (1994), soam um pouco como as Vozes Alfonsinas; mas isso talvez seja fruto de uma mesma direcção de ensaios e gravações executada por Manuel Pedro Ferreira.

As Vozes Alfonsinas fazem-se acompanhar por cópias exactas de instrumentos de época que tentam reproduzir os sons que então seriam escutados em igrejas, salões de palácios, conventos, castelos, e mesmo em ambientes ao ar livre.

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